Os dias 12 e 15 de
outubro são marcados pelas comemorações do Dia das Crianças e do Professor,
respectivamente. É um período em que fazer a ligação entre o nosso futuro (as
crianças) e quem pode pavimentar as estradas para este futuro (os professores)
é fácil e corriqueiro, mas infelizmente a minha sensação é que as felicitações
para ambos são, muitas vezes, automáticas (não raramente hipócritas!) e/ou desprovidas
de todas as reflexões que essas datas poderiam gerar.
A verdade é que são
tempos difíceis para as crianças e os professores.
As crianças (e por
extensão, os jovens) são vistos e medidos por pesos e medidas diferentes.
Grupos contrários ao aborto (que se autointitulam "pró-vida") dizem
que a vida do feto importa. Concordo plenamente, embora pense que a questão do
aborto precisa ultrapassar as questões religiosas, principalmente, e ser
discutida como questão de saúde pública . Mas e a vida das crianças que tem sua
infância roubada, e que por terem trajetórias marcadas pela falta de tudo
cometem erros? Bala nelas, simples assim. São maçãs podres. Ora, que esses, tão
"a favor da vida", fiquem
indignados com cada criança passando fome, passando frio; que fiquem indignados com cada criança que tem
que trabalhar em idade em que tinha que estar brincando; com cada criança que
sofre as mais diversas formas de abuso e abandono. Que não esqueçam que o
milagre da vida não começa e termina no ventre da mãe, como se "nasceu, é
problema da criança/da mãe/ seja lá de quem for". Por quê se calam como se o problema não fosse também
de vocês? Por quê fecham os olhos quando o problema não atinge as crianças que
lhes são próximas? É problema de todos nós cada criança que passa por essa
série de dificuldades. DE TODOS NÓS. Militar em prol da vida e não se importar se a dignidade da vida do próximo não são excludentes. Mas parcela considerável pode até não pensar dessa forma, mas age.
E muitas vezes tudo
depende da origem de quem cometeu o erro - até mesmo quando o "erro"
é nascer pobre/preto/favelado. E são essas as crianças e jovens que carregam o estigma de "pequenas suspeitas" até mesmo quando são vítimas. São
essas as crianças que os jornais PRECISAM fazer reportagens para provar que
elas eram "de bem". Mas até provarem que a criança ou o jovem não era
envolvido com nada de errado, o estrago já foi feito, pois pessoas
completamente despreocupadas com famílias despedaçadas por uma tragédia
espalham toda série de boatos, "justificando" tal barbárie. E só
piora quando a criança, de fato, encontrou no crime uma resposta àquilo que lhe
faltou (e podemos colocar oportunidades, carinho, capital cultural ou
econômico, ou tudo junto). Meus caros, crime maior é naturalizarmos que nossas
crianças e nossos jovens mais vulneráveis morram aos montes, todo santo dia.
Ato mais criminoso, mais cruel, mais "anti-cristão" é esse: matar as
crianças com armas e/ou em vida, como seres descartáveis.
Quanto aos
professores, esses muito em breve só merecerão queimar na fogueira da
intolerância e serem julgados como culpados no "tribunal-dos-especialistas-em-educação-que-
nunca-pisaram-numa-escola-pública". Em tempos estranhos como esses que
estamos, os professores são inimigos públicos da mais alta periculosidade. Uma verdadeira
ginástica ética e moral é feita para justificar os baixos salários, as salas
lotadas de alunos (como se fossem depósitos de gente e cabendo ao professor o
papel de carcereiro), uma perseguição ideológica (como se um professor fosse
capaz de transformar cada sala de aula numa nova União Soviética), ou seja, uma
completa desmoralização do profissional e do seu ofício. Gestores juram de pés juntos que um profissional que
atende turmas superlotadas, que é mal remunerado, que se desdobra dando aula em
várias escolas e vive sofrendo abuso moral vai ser a saída para a educação do
seu filho.
Isso para eles tem
um único motivo: NÃO QUEREM QUE SEU FILHO PENSE. Que você se conforme que seu
filho seja apenas alfabetizado e saiba fazer conta, que ele não sonhe, mais do
que isso, que ele não se pergunte porque não pode sonhar. E a resposta para isso
começa na escola. É a escola que ao mesmo tempo vai fortalecer os bons valores
que você deu ao seu filho, mas é lá que ele aprenderá a lidar com o contraditório,
a conviver com o diferente, é lá que ele vai aprender que o mundo é bem maior do que ele (e até mesmo você,
mãe/pai/responsável) imagina. Estão querendo tirar isso do seu filho, e para
tirar isso do seu filho, mexe com quem pode ajudá-lo: o professor. São estes gestores
que pela frente desejam aos professores felicidades e coragem por sua
resiliência, capaz de fazer brotar rosas em meio ao lixão, mas que por trás esfaqueiam
sem piedade o professor (e um aviso aos professores que não veem isso: seu
destino será o mesmo daqueles que "só pensam em fazer greve". Pensem
nisso).
Este texto foi
motivado não só pelas datas comemorativas, foi motivado também pela necessidade
de lembrar de três mulheres que se foram este ano, que conheci em momentos
distintos e que a perda de cada uma delas me fez derramar rios de lágrimas, mas
que também me dão força diariamente para acreditar no poder transformador das crianças e
dos professores. A primeira a dar adeus foi Marlene Prudenciana Braga, tia
muito querida deste que vos escreve, incentivadora, confidente, inspiração que me ensinou,
mesmo distante, que precisamos dar o máximo de amor ao ofício de professor. São
em suas lições que busco ser o melhor professor que posso ser, em colocar todo
o meu amor no que faço, mas que, por outro lado, me lembrou várias vezes que a
luta por uma educação pública de qualidade se faz todo dia. A segunda foi Maria
Eduarda Alves da Conceição, aluna cheia de vida que morreu de forma tão brutal,
dentro do que considero meu santuário, A ESCOLA. Duda deixou uma lacuna no
coração de toda uma comunidade, que infelizmente só é lembrada por episódios de
violência. Jurei pela memória dela que farei de tudo para que a morte dela não
tenha sido em vão, e isso tento fazer a todo momento, denunciando sempre que
possível o esquecimento e o descaso que nossas crianças são submetidas, assim
como no ato mais que necessário de acreditar no potencial transformador de cada
criança. A última delas é Helley de
Abreu Silva Batista, que deu sua vida para tentar salvar seus alunos de um
incêndio, na cidade de Jarnaúba (MG). Sua coragem foi um exemplo do quanto
muitos de nós estamos dispostos. No Brasil, não nos tornamos professores
esperando rios de dinheiro, é mais um ato de coragem e amor ao próximo do que
qualquer coisa. E coragem e amor, tenho certeza, não faltaram a Helley para sacrificar a própria vida por seus alunos.
À tia Marlene, Duda e Helley, estejam em paz e
intercedam por nós.
Às crianças e aos professores, que dias melhores
cheguem, mas enquanto eles não chegam, que tenhamos força. Aproveitem o dia de
vocês, vocês merecem.