Olho em volta e vejo, no ônibus que estou, que só o lugar ao meu lado está vago. Vejo pessoas em pé, e elas não estão com cara de que logo descerão. Muito pelo contrário, a viagem será longa, para eles e para mim. E para mim vai se tornar uma viagem ainda mais longa, pois ela vai me revelar muita coisa.
A primeira
coisa que faço é, discretamente, verificar se o cheiro das minhas axilas está
desagradável (e não está), pois estranho um ônibus relativamente cheio e as pessoas sem vontade de sentar ao meu lado. Ainda faço a verificação mais uma ou duas vezes para
ter certeza, e se tivesse alguém do meu lado, provavelmente perguntaria
educadamente se o cheiro que vem de meu nobre sovaco incomoda. Na verdade, não
o faria, mas tenho vontade de fazê-lo.
Tal qual um cientista
minucioso, vendo que o primeiro teste não respondeu minha pergunta, parto para
outras hipóteses, das mais básicas às mais improváveis: Estaria eu pelado? Sou
esquecido o suficiente para correr esse risco. Não, estou vestido. Estaria eu
ocupando o outro banco do meu lado no ônibus com minha mochila? Confesso que
vez ou outra deixo escapar essa pequena falta de etiqueta. Mas olho para meu
colo e a mochila está junto de mim. Não é isso. E se eu estiver armado?
Idiotice, até hoje tenho medo de acender fogão e vou portar armas de fogo?
Muito improvável. Será meu cabelo, minha pele, minha aparência, minha... Pronto. Parei de procurar.
Achei o que
pode estar fazendo as outras pessoas evitarem sentar do meu lado.
E da
resposta tenho raiva. E a raiva faz cair uma lágrima.
E desde novo
aprendi que algumas indagações completamente inocentes podem nos revelar as
coisas mais vergonhosas sobre nossa sociedade.
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